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13 abril 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 6ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da sexta sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 12 de abril, transmitida no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=VqRwEO_ceFwou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=1133634754156936). Nessa seção, abordei a teoria positiva da propriedade; também lembrei os conceitos em língua inglesa para a "política" (polity, policy e politics).

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Súmula

Sociologia Estática IV: teoria da propriedade: origem e destinação sociais, gestão individual; luta de classes.

 

Roteiro

-        Pequena diferenciação: conceitos de “política”:

o   Politics: é a política do dia a dia; uma forma um pouco negativa de entendê-la é traduzido por “politicagem” (embora essa expressão seja excessivamente negativa para a palavra politics)

o   Policy: são as políticas públicas executadas pelo Estado

o   Polity: é a organização social, política e econômica em grandes linhas, baseada nos valores compartilhados à é este o sentido básico da “política positiva”

-        Propriedade:

o   Diferentes tipos de capitais, isto é, de materiais produzidos e transmitidos pela Humanidade

§  Capitais material, artístico-intelectual e moral

o   A propriedade consiste na base material da sociedade

§  Ela corresponde à realidade do mundo e da objetividade

§  Uma outra forma de expressar essa idéia é indicar que é a realidade satisfeita pela propriedade que exige a ciência (para conhecer o mundo) e afirma o egoísmo

·         A partir dessa conexão entre realidade material, egoísmo e ciência, Augusto Comte propõe uma belíssima imagem: se não tivéssemos que lidar com a realidade material, o ser humano seria sempre direta e totalmente altruísta e dedicar-se-ia apenas à expressão artística

o   A propriedade enquanto tal sempre existe (privada ou coletiva)

§  Diferentes modos de gestão da propriedade: desde originariamente coletiva até atualmente individual

§  A teologia e a metafísica são incapazes de abarcar a realidade material da sociedade; portanto, são incapazes de solucionar seus problemas

o   Responsabilidades concomitantes dos gestores do capital:

§  Manutenção e aumento dos tipos de capital

§  Satisfação das necessidades sociais

o   Origem e destinação sociais, mas gestão individual:

§  Base da noção político-moral da “responsabilidade social”

§  “O capital é social em sua origem e deve sê-lo em sua destinação”

o   Formas de transmissão do capital:

§  Ordem decrescente de dignidade: Paz: dádiva, troca, herança; guerra: conquista

o   Vinculação estreita com o trabalho

·         Riqueza: força concentrada

·         Trabalho: força dispersa

o   Divisão entre o patriciado e o proletariado

§  Patriciado:

·         Gestores individuais do capital coletivo

·         Grosso modo são os ricos, mas com uma atuação moral, intelectual e socialmente regenerada

·         Submetem-se à avaliação pública tanto em termos de resultados obtidos quanto, antes, de projetos propostos

·         Tipos de patrícios: bancário, comercial, industrial, agrícola

§  Proletariado:

·         São os trabalhadores

·         Emancipação paulatina dos trabalhadores (e das mulheres): escravos na Antigüidade, servos na Idade Média, trabalhadores livres na modernidade

·         Tipos de proletários:

o   por um lado, há uma correspondência com os tipos de patrícios: bancário, comercial, industrial, agrícola

o   por outro lado, há os tipos religiosos: ativo, afetivo, contemplativo, passivo

§  Necessidade de concurso entre o patriciado e o proletariado

·         Augusto Comte critica duramente a burguesia francesa de sua época, afirmando que ela era mesquinha, ou seja, egoísta e estreita

·         Obrigação dos patrícios de pagar salários decentes e de gerar empregos também decentes para todos os proletários

·         Caráter instrumental da luta de classes

o   Positivismo como “conservador” devido à sua rejeição da luta de classes como um conceito moral: afirmação teoricamente errada, politicamente irresponsável e moralmente patológica

o   Salário:

§  O trabalho é sempre gratuito e o salário corresponde à reposição do consumo de capital

§  O salário tem que ser suficiente para a satisfação das necessidades familiares (família proletária de sete membros, dona do próprio imóvel, incluindo alimentação, transporte, educação, saúde e lazer)

Curso livre de política positiva: vídeo da 6ª sessão

No dia 12 de abril ocorreu a sexta sessão do Curso livre de política positiva, com transmissão ao vivo no canal do Facebook Apostolado Positivista: Facebook.com/ApostoladoPositivista.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria da propriedade.

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=VqRwEO_ceFw) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=1133634754156936).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.

18 novembro 2021

Sobre a peça "Medéia" e sua "atualização" brasileira

Recentemente li a peça Medéia, de Eurípedes (480 aec-408 aec), em uma desafiadora tradução de Trajano Vieira, publicada pela ed. 34. Vale notar que Eurípedes integra o calendário positivista concreto (o "calendário histórico"), no mês de Homero (o segundo mês do ano, dedicado à poesia antiga), na semana de Ésquilo.



A história é terrível e impressionante. Medéia era uma princesa-bruxa que vivia no extremo oriental do Mar Negro. Traindo sua família, ela ajudou Jasão a obter o velo de ouro. Depois de muitas aventuras e de terem um par de filhos, ao chegarem a Corinto Jasão renega a esposa, para casar-se com a princesa local. Medéia fica profundamente encolerizada e, para vingar-se do ex-marido, após matar o rei local e a nova esposa de Jasão, mata os próprios filhos. E, ao contrário do que ocorre em outros ciclos terríveis (como o ciclo de Édipo ou a Oréstia), em que é o destino que impõe aos indivíduos os sofrimentos, na Medéia é a vontade autônoma que decide e realiza os atos.

Ao mesmo tempo, lembro-me da peça A gota d'água, de Chico Buarque. Essa peça, escrita em 1974 em coautoria com Paulo Pontes, "atualiza" e "contextualiza" "criticamente" a peça de Eurípedes. Embora tenha ganhado prêmios, seja sucesso de vendas etc., a versão de Chico Buarque parece-me uma porcaria. A "atualização contextualizada" significa mudar alguns nomes (em particular o de Medéia, que vira "Joana") e inserir a tragédia de Medéia em um ambiente de favela com vistas a criticar a luta de classes.

Não tenho nada contra peças e obras que abordem a luta de classes, nem que tratem da situação social brasileira. Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, está à disposição de todos e é muito eficiente no que se propõe. Mas Gota d'água joga fora o elemento trágico de Medéia e da "solução" assassina que ela trama para vingar-se do ex-marido (o assassinato dos filhos). Não que na versão brasileira não haja esse assassinato, mas não há o sacrifício inicial de Medéia (que renega as próprias família e pátria por amor a Jasão); por outro lado, a versão brasileira insere a loucura de Medéia em um conflito de classes e, em particular, caracteriza a nova esposa e o novo sogro de Jasão como desprezíveis e exploradores burgueses.

Em suma, enquanto na peça de Eurípedes tem-se clareza do drama que se desenrola, na peça de Chico Buarque não se sabe o que importa, se a vingança assassina de Medéia-Joana ou se o conflito de classes (em que a traição de classes é recompensada pela infanticídio dos favelados). O resultado é que nem o drama de Medéia é efetivamente valorizado nem a luta de classes é "denunciada". Como eu disse antes, o resultado é uma porcaria. Mas, mesmo assim, os autores ganharam prêmios e recebem direitos autorais por isso.

04 janeiro 2007

Luta de classes e senso comum

Luta de classes e senso comum[1]

Quem ler qualquer revista ou jornal, ou livros acadêmicos, ou vir o vestibular (da usp, da UFPR, da Unicamp) não demorará muito até encontrar frases do tipo “a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas” ou “o capitalismo baseia-se na exploração de uns pelos outros”. Essas idéias, que infelizmente já se incorporaram ao senso comum, são, apesar disso, extremamente danosas.

Não é difícil vermos os conflitos de classe como integrantes da sociedade. A todo instante percebemos negociações entre patrões e empregados, vemos como a taxa de desemprego é alta, que muitos – demais, até – empresários não se preocupam com o corpo de empregados, visando apenas ao lucro etc. A partir daí aceitamos, quase como conseqüência natural, que não é possível a sociedade sem a “luta de classes”.

Essa perspectiva, contudo, é errada. É lógico que há esses problemas sociais, que são, de fato, problemas, e que quem está desempregado não vai trabalhar apenas por mudar de ponto de vista: mas não se trata disso. A questão é outra: de fato a sociedade baseia-se em um pequeno grupo de ricos explorando o trabalho de muitos outros? Essa visão é correta, isto é, a sociedade é efetivamente assim e nossa vida em comum torna-se melhor se a percebermos dessa forma? Mais precisamente: a descrição científica corresponde à realidade e os postulados éticos são corretos?

Na verdade, quem faz profissão de fé em que a luta de classes é básica e fundamental para a sociedade não entende o mínimo do ser humano, especialmente no que se refere à importância dos valores para nossa existência coletiva. Nenhum grupo mantém-se sem valores que regulem sua conduta, isto é, que evitem os excessos de uns e que protejam a fraqueza de outros. Enfatizo: nenhum grupo fica sem tais valores. Querer afirmar que a nossa sociedade, tachada de “capitalista”, é desregrada e que alguns podem explorar a grande massa a seu bel-prazer é adotar um cinismo suicida, tanto em termos econômicos quanto políticos. Além disso, tais concepções só são aceitáveis porque há grupos que os defendem – e não são os “capitalistas”.

O sociólogo alemão Max Weber argumentou com sucesso, em 1904, que o “capitalismo”, assim como o conhecemos, só é possível porque algumas seitas protestantes, nos séculos XVI e XVII, buscando realizar a vontade divina na terra, tornaram correto o individualismo econômico mais brutal, em que cada pessoa deve satisfações apenas a seu Deus, ao invés de preocupar-se com os demais. Weber afirmou que esse padrão de conduta teve um sucesso enorme – como é evidente – em virtude dos seus resultados econômicos, difundiu-se e tornou-se dominante. Ou seja: o capitalismo foi antes de tudo um valor moral praticado por certos grupos.

É simplesmente errado afirmar que “a classe dominante sempre busca explorar a classe dominada”. As coisas não são assim, tão simplistas e tolas. É lógico que, por exemplo, nos dias atuais, um capitalista busca o lucro, da mesma forma como é evidente que há capitalistas que adotam comportamentos predatórios (basta pensarmos no trabalho semi-escravo ainda existente no Brasil), assim como, inversamente, a incorporação do proletariado à sociedade é a tarefa social mais urgente, em nosso país e no mundo.

Onde está o erro? Está na generalização brutal e violenta, ao afirmar que “todos os que estão no poder (os capitalistas) querem a exploração”.

Essa forma de pensar é típica das teorias da conspiração: “há alguém querendo nos dominar”, “todos ‘eles’ são maus”, “os de cima não prestam”. Divide-se o mundo em dois campos, “nós” e “eles”, sendo que nós, a maioria, somos bons, sinceros e corretos, mas temos sido enganados até agora; eles são a minoria, má, hipócrita e desonesta, que manipula, engana e pensa apenas em si própria. O mundo será um lugar melhor apenas se eles deixarem o poder; mas como nós não os conhecemos, devemos “duvidar de tudo” e adotar uma atitude de “resistência”, mantendo uma “luta” sem cessar, uma “guerra sem trincheiras”, até o dia em que mostraremos ao mundo quem são eles e tomaremos o poder, “fazendo a revolução”; além disso, todo o discurso “de cima” é uma enganação que serve para “dominar”, isto é, é “ideologia”.

Esse esquema, que lembra a série de televisão Arquivo X, resume o programa político do marxismo e da esquerda em geral, apenas substituindo “eles” por “neoliberais”, “capitalistas” ou coisa que o valha.

Isso é senso comum e do pior tipo, pois é o mais daninho, o mais destrutivo, o mais cínico. Ele mina completamente a possibilidade de confiança de uns nos outros, além de proclamar que a revolta e a rebelião são o estado normal da sociedade. Dessa forma, sempre que alguma coisa nos desagradar, diremos que “é uma conspiração dos fortes (ou da burguesia) contra nós”, e poderemos agir como quisermos.

Por exemplo: com base no discurso acima, posso afirmar – como diversos “acadêmicos” de esquerda dizem – que a eleição de Luís Inácio Lula da Silva é boa para o capitalismo, pois a exploração aumentará e a massa de trabalhadores (transformada em boiada) aceitará melhor tudo. Como as coisas passam-se assim, não preciso respeitar nenhuma instituição, nem devo a mínima lealdade ao Presidente da República; aliás, como ele é o “traidor da classe”, pois vendeu-se para “eles” (para a burguesia), não há nada que me impeça de ir a Brasília cometer um atentado (desculpem-se: um ato de desagravo)...

Dirão alguns que isso é radicalismo. Não: é honestidade e coerência, admitindo as conseqüências lógicas da maneira de pensar da esquerda e de seu senso comum. A esquerda, que adora dizer que “devemos policiar nossas idéias, em virtude de suas conseqüências políticas”, deveria prestar maior atenção às tais “conseqüências políticas de suas idéias” (ou ser mais honesta e coerente).

Para concluir, duas observações. Em primeiro lugar, esse senso comum da luta de classes, apesar de parecer natural, é o resultado de um esforço consciente de diversos grupos, há décadas – de modo geral os partidos políticos de esquerda, cuja influência é enorme, refletindo-se nos meios de comunicação, nos currículos escolares, na produção artística, na direção do Estado (basta lermos os escritos do comunista italiano Antônio Gramsci – que, não por acaso, há tempos são algumas das principais leituras da esquerda).

Em segundo lugar, creio estar claro que não defendo a irresponsabilidade de inúmeros capitalistas, nem a farra financeira internacional, muito menos a hipocrisia de vários grupos que pregam a “caridade” para explorar melhor (ou mesmo escravizar) os trabalhadores – tudo isso é revoltante. A irresponsabilidade e a hipocrisia têm que ser condenadas e combatidas com energia, e temos todos que buscar vigorosamente soluções para esses problemas sociais. O que não se pode aceitar, de maneira alguma, é que a revolta moral contra injustiças sirva de justificativa para uma forma de pensar cínica, tão nociva à sociedade quanto os próprios abusos dos capitalistas.



[1] Artigo publicado no jornal O Estado do Paraná em 16 de fevereiro de 2003.