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31 maio 2023

Sobre "comtismo" e atualização do Positivismo

No dia 10 de São Paulo de 169 (30.5.2023) fizemos nossa prédica positiva. Dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, iniciamos a sétima conferência, dedicada à filosofia das ciências naturais; na parte do sermão abordamos a expressão "comtismo" e o que pode significar a "atualização" do Positivismo.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/RRf9d) e Apostolado Positivista do Brasil (aqui: https://acesse.one/qWPWc). O sermão pode ser visto a partir de 53' 20".

*   *   *


Sobre “comtismo” e atualização do Positivismo

 

-        Uma das primeiras – ou, com freqüência, uma das únicas – observações feitas por quem não conhece o Positivismo e a Religião da Humanidade é que é necessário “atualizá-los”

o   Vinculada a essa questão está a diferença entre “comtismo” e “Positivismo”

-        Essas duas questões exigem alguns esclarecimentos e algumas reflexões

o   Vale notar que os comentários que farei aqui são mais ou menos pessoais e que, evidentemente, estou aberto a reflexões posteriores

-        Comecemos pela expressão “comtismo”:

o   “Comtismo” é uma expressão que denotaria a filosofia específica a Augusto Comte

§  Está muito claro o sentido usualmente depreciativo dessa expressão, ao querer reduzir o “Positivismo” a um mero “comtismo”, ou seja, ao querer reduzir o Positivismo a uma série de idiossincrasias e supostas esquisitices de Augusto Comte

o   Ao mesmo tempo em que reduz a obra de Augusto Comte a uma série de idiossincrasias, a expressão “comtismo” sugere que o “Positivismo” consiste em outras coisas que não a filosofia e a religião sistematizadas por A. Comte

§  Essa mudança de âmbito do Positivismo pode ocorrer com fins elogiosos ou depreciativos em relação especificamente ao Positivismo

o    Augusto Comte rejeitava a denominação – na verdade, como vimos, redução e degradação – de sua obra como “comtismo”

§  Para Comte, a doutrina positivista é superior aos seus órgãos quaisquer e, portanto, superior a ele mesmo: só isso já bastaria para rejeitar o “comtismo”

§  Assim, Comte insistia em que o Positivismo – e a Religião da Humanidade – deve ser entendido como uma elaboração sistematizada por ele a partir dos materiais legados pela Humanidade e que, portanto, não poderia, como não pode, ser reduzida às suas particularidades pessoais

o   Por outro lado, as referências a Augusto Comte, da parte dos positivistas, são constantes: não seria isso uma prova empírica do “comtismo”?

§  A resposta a essa pergunta é muito clara e direta: não, não é prova de “comtismo”

§  As referências que os positivistas fazem a Augusto Comte devem-se pelo menos a duas ordens de motivos:

·         Por um lado, trata-se de uma referência inescapável, na medida em que Augusto Comte foi o fundador do Positivismo e da Religião da Humanidade; ele elaborou – ou melhor dizendo, ele sistematizou – a síntese positiva e, portanto, é evidente que se deve fazer referência a ele

·         Por outro lado, trata-se de humildade, de reconhecimento da superioridade moral e intelectual de Augusto Comte e, assim, trata-se também da aplicação do princípio de que a “digna submissão é a base do aperfeiçoamento”

§  Em outras palavras, os positivistas referem-se com freqüência a Augusto Comte porque essa referência é inescapável e também porque se trata de homenageá-lo e reconhecer nele uma figura digna de emulação

o   Também é importante lembrar que, a despeito da determinadas tendências academicistas, o único “positivismo” para nós é o Positivismo de Augusto Comte; os demais supostos “positivismos” são exageros, ampliações conceituais indevidas, aplicações de boa ou má fé etc.

-        Mas, enfim, se o Positivismo não é meramente o "comtismo", o que diferencia uma coisa da outra na prática?

o   Para os nossos presentes propósitos, a resposta mais clara e mais direta é esta: trata-se da capacidade de desenvolvimento, aplicação e atualização do Positivismo – afinal, trata-se de uma doutrina relativista

§  Isso suscita, naturalmente, a questão da “atualização” do Positivismo

o   Além disso, de maneira mais profunda, considerando a relação de oposição complementar entre “amor” e “fé” (ou seja, entre afeições/atividades práticas e inteligência), o comtismo consiste no mero conhecimento da letra de Augusto Comte e de seus discípulos, ao passo que o Positivismo consiste em viver de fato a partir dos parâmetros da Religião da Humanidade

-        Passemos, então, ao tema da “atualização” do Positivismo: “atualizar” pode significar na prática três ou quatro coisas:

o   Aplicar a doutrina a questões atuais

o   Desenvolver e complementar a doutrina em aspectos mais ou menos secundários

o   Modificar os métodos de propaganda

o   Modificar a doutrina

-        Mas, antes de qualquer discussão efetiva sobre a atualização do Positivismo, temos que considerar diversos aspectos preliminares:

o   Antes de mais nada, muitos dos que criticam a desatualização do Positivismo desejam apenas o criticar, sem contribuir com nada além da crítica

§  Geralmente são teológicos ou metafísicos

§  Com freqüência tais críticos fazem observações superficiais sobre aspectos secundários do Positivismo e são moralmente muito inferiores ao Positivismo

·         Exemplo: Carl Sagan: em Cosmos ele critica longamente Augusto Comte (por este ser contra a análise espectrográfica das estrelas), ignorando de maneira mesquinha os elogios que Augusto Comte fez da Astronomia (aliás, em um livro de divulgação científica, a sua Astronomia popular); por outro lado, em O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan afirma que o máximo da moralidade é a “regra de ouro” sugerida pelo protestantismo, em particular o prevalecente nos Estados Unidos: “não fazer aos outros o que não se deseja que se faça com você” é o cúmulo do egoísmo e a negação direta do altruísmo

o   Basicamente, quem fala em “atualizar” o Positivismo não o conhece nem o entende

§  Se não conhece e não entende, não tem absolutamente nenhuma condição de avaliá-lo e, portanto, de sugerir qualquer alteração nele

·         Quem não conhece a doutrina mas exige atualizações revela não apenas ignorância como também arrogância

§  É importante aqui destacar que o Positivismo implica, necessariamente, uma alteração de perspectiva

§  No âmbito do Positivismo não falamos em “iluminação”, em “revelação”, em “testemunho”; ainda assim, o adequado entendimento do Positivismo não é um processo total ou principalmente intelectual; é um processo afetivo que implica a mudança profunda e radical de como se entende a realidade: eu tenho usado a expressão “mudança de sensibilidade”

§  Essa mudança consiste na revalorização dos sentimentos, na substituição do absolutismo pelo relativismo e na aplicação geral da lógica positiva (sentimentos, imagens, sinais), com tudo o que isso implica

o   O segundo aspecto preliminar que temos que ter em mente ao tratarmos da atualização do Positivismo é entendermos a partir de qual filosofia (e de qual síntese) fala-se disso e, ainda mais, em qual contexto social

§  Saber de qual filosofia (ou de qual síntese) fala-se em atualização importa porque as concepções de mundo, sobre a realidade, seus valores etc. são determinados ou influenciados por essa filosofia: há que se considerar se essa filosofia (ou essa síntese) é compatível com o Positivismo, se é relativista ou não, se afirma a visão de conjunto ou não, se reconhece o altruísmo ou não; ou, por outro lado, se é materialista ou não, se é espiritualista ou não, se é metafísica ou não etc.

§  O que vale para a filosofia adotada pelos indivíduos vale muito mais e de maneira mais central para a sociedade; afinal, os valores e as concepções difundidas e vigentes em uma determinada época e em um determinado lugar influenciam poderosamente a maneira como os indivíduos pensam, estabelecendo parâmetros, impondo limites etc.

o   É necessário insistir nesta ideia: o contexto social mais amplo não é secundário; na verdade, ele faz toda a diferença

§  Os exemplos são inúmeros e variam conforme os períodos (ou seja, conforme os "contextos"); os exemplos que darei são todos do Brasil, mas poderiam ser estendidos a todos os países:

·         Nas décadas de 1890 a 1930, o Positivismo era criticado (ou ridicularizado) por defender o proletariado, por defender a proteção social aos idosos, às mulheres, aos desamparados; por defender os índios; por defender o ambientalismo; por defender a atuação social do Estado (contra o liberalismo econômico)

·         Nos anos 1930 e 1940 o Positivismo era criticado por ser a favor das garantias constitucionais, por ser a favor das liberdades, por ser a favor de reformas (e não de revoluções), por ser a favor do pacifismo (e não do militarismo), por ser a favor da concórdia entre as classes (e contra a luta de classes), por afirmar a visão de conjunto e também a atuação individual; por estar muito identificado com a I República

·         Nos anos 1960 a 1980 o Positivismo era criticado por ser a favor da visão de conjunto e a favor da atuação individual; por defender as reformas (e não as revoluções); por defender a moderação (e não os extremos); por defender a racionalidade (contra o irracionalismo maoísta e contra o misticismo vinculado a drogas dos hippies); por defender a concórdia entre as classes (e não a luta de classes); por estarmos identificados equivocadamente com os militares e até certo ponto corretamente com a I República

§  Em cada uma das conjunturas indicadas acima se afirmou que o Positivismo estaria ou seria “desatualizado” e, por implicação, que o Positivismo deveria “atualizar-se” nos sentidos criticados

§  Caso os positivistas tivessem-se “atualizado” conforme essas conjunturas e as respectivas cobranças, o Positivismo ficaria descaracterizado e degradado

§  Em meio a todas essas modas político-intelectuais e apesar delas (ou contra elas), o Positivismo comprovou-se correto

o   O atual contexto social é marcado, acima de tudo, pela metafísica e por seu espírito dissolvente, particularista, exclusivista, excludente – além de absolutista, academicista e/ou irracionalista: pós-modernismo, cientificismo academicista, identitarismo, tradicionalismo etc. etc.

§  Nesse contexto, a “atualização” do Positivismo consistiria em alterá-lo em direção à metafísica, ao seu absolutismo e ao seu espírito dissolvente: deveria ser claro que isso não seria “atualizar”, mas degradar

-        Passemos aos sentidos possíveis de “atualizar”, começando pela aplicação da doutrina:

o   Pode-se aplicar uma doutrina das mais diferentes maneiras

§  Podemos aplicar uma doutrina fazendo citações dela ou referindo-nos a seus autores: essa é uma forma bem superficial, basicamente intelectualista mas extremamente comum; na verdade, é o que mais ocorre

§  Podemos aplicar uma doutrina a partir de um conhecimento “médio”, nem superficial nem profundo; geralmente são intelectualistas e exigem uma certa simpatia; esse nível permite alguns desenvolvimentos, em particular intelectuais mas com certa freqüência formalistas

§  A aplicação a partir do conhecimento aprofundado é a mais difícil, pois exige tanto o conhecimento intelectual quanto a experiência “vital” da doutrina: é aí que a aplicação da doutrina torna-se mais rica, mais frutuosa e mais viva – e mais criativa

§  Assim, por si só, aplicar a doutrina é uma forma de atualizá-la

-        A respeito da atualização como desenvolvimento ou complemento da doutrina:

o   Deveria ser evidente (mas não é) que a atualização como desenvolvimento e/ou complemento exige tanto o conhecimento quanto a experiência subjetiva da doutrina, além do respeito e da simpatia pela figura do fundador (no caso, Augusto Comte), pelos seus discípulos sinceros e pela própria doutrina

o   O conhecimento da doutrina já sugere desenvolvimentos ou complementos, seja a partir de indicações do fundador, seja por lacunas que a doutrina sugere existirem

o   Conhecimentos ou movimentos sociopolíticos correntes podem sugerir ou inspirar alguns desenvolvimentos ou complementos na doutrina

§  Há uma condição fundamental para isso: esses desenvolvimentos ou complementos inspirados por novos conhecimentos ou outros movimentos têm que ser, evidentemente, coerentes e homogêneos com a doutrina

§  Também é importante lembrar que o método é superior à doutrina em si

o   Com facilidade aceitamos que há vários aspectos do Positivismo que estão “desatualizados” e que podem, também com maior ou menor facilidade, ser “atualizados”

§  Um exemplo da política mundial: atualmente existe a ONU e, de maneira correlata, o colonialismo europeu, que dominava o mundo no século XIX, já não existe mais

§  Um exemplo da política nacional: após a II Guerra Mundial desenvolveu-se o Estado de bem-estar social

§  Um exemplo das ciências: a Informática é uma área que demanda incorporação na classificação das ciências (minha sugestão pessoal é que seja entendida como integrante da Filosofia Terceira, isto é, como tecnologia derivada da Matemática)

-        No que se refere à atualização como mudança nos métodos de propaganda:

o   Essa talvez seja a forma mais simples, mas não necessariamente mais fácil, de atualizar

o   Ela consiste em usar dignamente todos os meios disponíveis, técnicos e sociais, para a propaganda

o   Mas sempre é necessário ter-se clareza de que a forma interfere no conteúdo e vice-versa; assim, determinadas formas de comunicação podem degradar o conteúdo, bem como determinados conteúdos devem evitar alguns formatos

-        No que se refere à atualização como mudança da doutrina:

o   Com freqüência, quem reclama “atualização” do Positivismo (ou, por outra, quem critica sua “desatualização”) demanda a mudança da doutrina

§  Por “mudança da doutrina” eu entendo aqui a mudança no “núcleo duro” da doutrina (relativismo, historicismo, defesa do altruísmo, visão de conjunto, natureza humana tríplice, prevalência da continuidade humana sobre a solidariedade etc.)

o   Uma coisa é realizar ajustes secundários maiores ou menores; outra coisa é propor a mudança de partes fundamentais da doutrina: estas mudanças fundamentais não são “atualizações”, mas são deformações

o   Como indicamos antes, a atualização como mudança da doutrina geralmente é proposta por quem não conhece e nem entende o Positivismo e, de qualquer maneira, é proposta por quem considera que o espírito do tempo presente, daquele em que se vive, é o cume da moralidade e da inteligência humana

§  Nos dias atuais (início do século XXI), isso consiste em o Positivismo fazer concessões, maiores ou menores, aos identitarismos de esquerda, aos identitarismos de direita, aos autoritarismos de direita, aos autoritarismos de esquerda, ao pós-modernismo e/ou ao ultraliberalismo

 

Observações de Hernani Gomes da Costa para colaborar com este sermão, feitas em 29.5.2023

Algumas reflexões que me ocorreram sobre o seu sermão:

1)      “Devo limitar aqui a apreciação do futuro e do presente pelo grau de precisão que comportam os volumes precedentes nos estudos respectivos da ordem e do progresso. Mas uma tal aproximação basta realmente a todas as necessidades atuais. Quando a sucessão humana exigir regras mais especiais, a moral as instituirá segundo uma sociologia mais desenvolvida, que poderá às vezes necessitar do aperfeiçoamento prévio da biologia e mesmo da cosmologia” (Augusto Comte, Política Positiva; Preâmbulo Geral, Tomo IV, p.8).

2)      O fator tempo não pode funcionar como um critério absoluto capaz de determinar por si só a validade de uma concepção.

3)      Diferenças sutis entre as idéias de “novo” e de “atual”: nem tudo que é atual é novo e vice-versa.

4)      Necessidade do estabelecimento de critérios simultaneamente afetivos, intelectuais e práticos para a plena caracterização do que possa constituir uma real atualização da doutrina. Da mesma forma, necessidade de comparar essa atualização com a dos aperfeiçoamentos de que são suscetíveis as imagens subjetivas dos nossos entes queridos falecidos.

5)      Maior simpatia, maior síntese e maior sinergia definem o perfil de uma verdadeira atualização da doutrina.

6)      Na caracterização de um aperfeiçoamento qualquer, o tempo designado como “presente” precisa estar subordinado tanto ao passado quanto ao futuro, constituindo-se assim como um verdadeiro intermediário de um e outro.

7)      É também importante lembrar o papel das utopias como marcos referenciais para as atualizações.

8)      É importante lembrar que as maiores retrogradações, sobretudo práticas, sempre reivindicaram para si o caráter de “modernidade”.

9)      A morte prematura de Augusto Comte deixou a doutrina inacabada e necessitando de uma inteira revisão. Este caráter deve distinguir a propaganda positivista daquela que é realizada por todas as religiões teológicas. É na assunção de sua incompletude que reside o sinal distintivo de sua perenidade.

10)  Diferença sutil entre “comtiano”, “comtista” e “positivista”.

11)  As lições que podemos aproveitar do que se chamou o “revisionismo” entre os marxistas, e do que se entende por uma “heresia” teológica, como tentativas malogradas de aperfeiçoamento doutrinário.

12)  Os assim chamados “livros didáticos” transformados em mercadoria descartável (tanto pelo orgulho e pela vaidade do pedantismo acadêmico quanto pela cobiça da burguesocracia) e vistos como uma espécie de mina inesgotável; eles promovem uma idéia distorcida daquilo em que consiste uma verdadeira atualização científica junto a quem mal começa seus estudos.


13 junho 2022

Tradução do "Prefácio" de H. Martineau ao "Sistema de filosofia positiva"

A revista eletrônica Caos, da Universidade Federal da Paraíba, em seu v. 1, n. 28, de janeiro a junho de 2022, publicou uma tradução para o português do "Prefácio" à tradução-condensação inglesa do Sistema de filosofia positiva, de Augusto Comte. O "Prefácio" é de Harriet Martineau e a tradução para o português é de Fernanda Henrique Cupertino Alcântara.

A tradução para o português do "Prefácio" está disponível aqui: https://periodicos.ufpb.br/index.php/caos/article/view/61604/35453.

21 fevereiro 2020

Comparação entre Positivismo, direitas e esquerdas

Muito modestamente elaborei a tabela abaixo, em que apresento de maneira comparativa as vistas sócio-políticas do Positivismo e as concepções de direita e esquerda. 

Haja vista as confusões teóricas e práticas que reinam atualmente no Brasil - em que um governo de extrema-direita mantém o país em permanente estado de sobressalto, de polarização, de desrespeito sistemático à laicidade do Estado, à diversidade de opiniões, à liberdade de expressão e de pensamento, às minorias etc. -, o meu objetivo era esclarecer o que a "esquerda" e a "direita" consideram a respeito de vários conceitos sócio-políticos, aproveitando para expor as vistas positivistas (e demonstrar, por esse meio, que a oposição entre direita e esquerda é insatisfatória e insuficiente).

Mas é importante realçar um aspecto: esta tabela não é exaustiva nem cobre todas as possibilidades de política teórica e prática. Algumas amplas correntes e práticas foram deixadas de lado, como o populismo, o liberalismo e até o islamismo; por outro lado, no caso dos católicos, eles poderiam perfeitamente ser incluídos em outras categorias que não a centro-direita, indo desde a esquerda até a direita ou a extrema direita. O objetivo da tabela é apenas oferecer um quadro sinóptico para que se possa fazer algumas comparações básicas.

Após a tabela incluí referências bibliográficas sumárias, para quem tiver interesse e curiosidade.

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Resumo das perspectivas do Positivismo em face das correntes político-intelectuais contemporâneas

Conceito
Positivismo
Extrema-esquerda (comunismo)
Esquerda
(socialismo)
Centro-esquerda (social-democracia)
Centro
Centro-direita (conservadores “britânicos”, católicos)
Direita (neoliberais, evangélicos)
Extrema-direita (nazismo, fascismo)
1) Ordem
Fundamento e garantia do progresso
Não tem valor por si só (deve ser mantida com vistas ao progresso)
Elementos comuns a todas as sociedades (família, propriedade, linguagem, religião, governo)
A ordem burguesa, como é opressora, deve ser destruída
A exploração econômica gera a dominação política
A ordem comunista é redentora da humanidade
A ordem burguesa, como é opressora, deve ser destruída
A exploração econômica gera a dominação política
O Estado exerce um papel central ao regular a economia e prover serviços sócio-econômicos
Supostamente há espaço para liberdades individuais

A ordem é um equilíbrio entre a dinâmica social e a ação político-econômica estatal
A sociedade é capitalista (propriedade privada) e as liberdades são valorizadas
O Estado exerce um papel central ao regular a economia e prover serviços sócio-econômicos
Entendida como estabilidade política e social
Valor importante, mas não é sagrado: pode ser modificada, dependendo dos acertos políticos, na direção da direita ou da esquerda
Valor fundamental e central
A ordem é estabelecida pela tradição e, por isso, é sagrada
Tem um caráter histórico e, eventualmente, transcendental
É um valor sagrado
Evangélicos: é um arranjo divino e deve satisfazer imperativos teológicos (bíblicos)
Neoliberais: a economia deve ser entregue a si mesma; a política (e o Estado) atrapalha e corrompe a ordem
É um valor sagrado
O capitalismo e o comunismo são inimigos
A nação é o valor supremo
O Estado é o responsável pela criação e manutenção de uma ordem pura em termos raciais, sociais e políticos
Imigrantes, outras raças, outras ideologias devem ser combatidos e/ou dizimados
2) Progresso
Desenvolvimento da ordem fundamental
Baseia-se na ordem
Realização da harmonia humana (social e individual)
Desenvolvimento (harmônico) das forças humanas (individuais e sociais; afetivas, intelectuais e práticas)
Aprofundamento da igualdade
Fortalecimento das pátrias comunistas
Enfraquecimento e extinção das pátrias não-comunistas
Aprofundamento da igualdade
Valor central
Aprofundamento da igualdade
Valor central
Combate à dinâmica social própria ao capitalismo
Basicamente, indefinido
Desenvolvimento da ordem
Realizado conforme os desígnios do grupo no poder
Valor a ser combatido se for na direção da igualdade
Católicos: o progresso é real e legítimo se for a realização da ordem divina e tradicional
“Britânicos”: em pequenas doses, é aceitável (entendido como mudanças sócio-institucionais); de modo geral rejeita mudanças planejadas
Neoliberais: é um valor legítimo, se for o desenvolvimento da ordem capitalista (às vezes é a “destruição criadora”); vêem com grande desconfiança as mudanças planejadas
Evangélicos: é a realização da teocracia (em moldes calvinistas)
Afirmação da nação
Se o progresso for o conceito esquerdista, deve ser combatido ferozmente
3) Tradição
Não tem valor em si mesma
O mais das vezes, é uma concepção absoluta da historicidade e da ordem
Concepção positiva da tradição: legado moral e material do passado para o presente, que deve ser respeitado e, na medida do possível, preservado, mas que não é imodificável e que sofre alterações de acordo com as leis dos três estados
Obstáculo ao progresso
Ideologia burguesa ou feudal com vistas à dominação e à exploração do proletariado
Obstáculo ao progresso
Ideologia burguesa ou feudal com vistas à dominação e à exploração do proletariado
Basicamente, obstáculo ao progresso
Redes sociais tradicionais podem apoiar a ordem social-democrata
Em linhas gerais, é favorável à tradição
As relações políticas tradicionais são valorizadas
Em termos sócio-econômicos, depende do grupo que está no poder
Valor fundamental, quase indistinguível da ordem
Católicos: a tradição é o resultado da ação multissecular da igreja
“Britânicos”: é o resultado do “tribunal da história” e, por tentativa e erro, junta empiricamente o que é “bom” e “correto”
Neoliberais: a tradição de valores e estruturas sociais é inimiga do progresso capitalista
Neoliberais: as relações tradicionais de confiança são a base da sociedade e do progresso
Evangélicos: se referir-se à própria seita, é sempre sagrada; se referir-se a qualquer outra coisa, é detestável e deve ser combatida
É encarada de maneira romântica e saudosista
A tradição criada e idealizada é o fundamento ideológico da ordem social
4) Passado
Conjunto dos antecedentes sociais, morais, intelectuais e afetivos
O passado é a base e o guia para o futuro, mas o futuro não se resume nem se limita ao passado
Conjunto das condições sociais que permitem a realização do comunismo
“Peso que oprime o cérebro dos vivos” (Marx)
Conjunto dos antecedentes próprios ao comunismo
Conjunto das condições sociais que permitem a realização do socialismo
“Peso que oprime o cérebro dos vivos” (Marx)
Conjunto dos antecedentes próprios ao socialismo
Conjunto das condições sociais que permitem a realização do Welfare
Conjunto dos antecedentes próprios ao Welfare
Conjunto da história social e individual
Mobilizável de acordo com o grupo que está no poder
É o fundamento da tradição
Neoliberais: conjunto das condições que conduzem ao capitalismo; fora isso, deve ser constantemente revolucionado
Evangélicos: se for da própria seita, é sempre glorioso; se for dos outros, é detestável
É romantizado e, assim, glorificado
Apresenta a história da nação, passando pelas quedas e pelas ascensões
5) Liberdade de pensamento
Fundamento inescapável da política positiva
A liberdade absoluta de pensamento é um conceito metafísico, que rejeita qualquer disciplina mental
Deve ocorrer a rigorosa separação entre igrejas e Estado
Não existe, exceto para o que o Estado permite
Nos países não-comunistas: deve ser incentivada ao máximo, para que ocorra a revolução do proletariado (Lênin, Stálin)
A cultura deve ser instrumentalizada para difusão do comunismo (Gramsci)
Existe e é garantida pelas leis
Existe e é garantida pelas leis
Existe e é garantida pelas leis
Católicos: é limitada ao que se considera tradicional e, portanto, aceitável
“Britânicos”: valor sócio-político fundamental
Neoliberais: existe e é garantida pelas leis (eventuais exceções quanto ao comunismo e ao nazismo)
Evangélicos: se referir-se ao próprio dogma, é válida; qualquer outra forma de pensamento deve ser combatida ou convertida
Não existe, exceto para o que o Estado permite
A cultura deve ser instrumentalizada para difusão do fascismo (Goebbels, Mussolini)
6) Liberdade de expressão
Fundamento da política positiva e conseqüência da liberdade de pensamento
Deve-se garantir a liberdade de expressão a todas as concepções
Não existe, exceto para o que o Estado permite
Nos países não-comunistas: deve ser incentivada ao máximo, para que ocorra a revolução do proletariado (Lênin, Stálin)
A cultura deve ser instrumentalizada para difusão do comunismo (Gramsci)
O Estado impõe o ateísmo
Existe e é garantida pelas leis
Existe e é garantida pelas leis
Existe e é garantida pelas leis
Católicos: é limitada ao que se considera tradicional e, portanto, aceitável
“Britânicos”: valor sócio-político fundamental
Neoliberais: existe e é garantida pelas leis (eventuais exceções quanto ao comunismo e ao nazismo)
Evangélicos: se referir-se ao próprio dogma, é válida; qualquer outra forma de pensamento deve ser combatida ou convertida
Não existe, exceto para o que o Estado permite
A cultura deve ser instrumentalizada para difusão do fascismo (Goebbels, Mussolini)
7) Família
Célula da sociedade
Núcleo do desenvolvimento afetivo
Deve ser consagrada para ser regulada pela pátria (associação prática) e pela Humanidade (associação intelectual)
Foco de conservadorismo, reacionarismo e tradicionalismo
Permanece sob estreita vigilância do Estado e da sua polícia política
Os laços familiares não são respeitados
Em determinadas conjunturas pode ser valorizada (formação de mão de obra)
Célula da sociedade
Núcleo do desenvolvimento afetivo
Célula da sociedade
Núcleo do desenvolvimento afetivo
Célula da sociedade
Núcleo do desenvolvimento afetivo
As relações familiares constituem parte importante da sociabilidade política de centro (clientelismo, filhotismo, apadrinhamento)
Célula da sociedade
Núcleo do desenvolvimento afetivo
Eventualmente, tem que ser defendida da ação do Estado
Neoliberais: é a formadora de indivíduos, que são os “agentes econômicos” por definição
Evangélicos: é o âmbito social sagrado e inamovível, lugar da autoridade (“despótica”) do pai/marido sobre filhos/esposa

É o âmbito social sagrado, lugar da autoridade (“despótica”) do pai/marido sobre filhos/esposa
É a relação social que existe logo abaixo da nação, isto é, do Estado
8) Pátria
Associação prática dos seres humanos
Realidade política básica; exerce a autoridade em um determinado território
Devem ser de tamanho reduzido, para que os vínculos morais desenvolvam-se
A soberania absoluta é uma ficção metafísica
Deve ser consagrada para ser regulada
O multilateralismo, o internacionalismo respeitador das pátrias e as mediações devem ser incentivados
Sede da revolução comunista
Devem ser abolidas quando o comunismo triunfar no mundo todo
Em países não-comunistas: grau máximo de associação humana e entendidas como sede da xenofobia, do imperialismo e do nacionalismo
Realidade política básica; nela o Estado exerce a autoridade em um determinado território
O multilateralismo, o internacionalismo respeitador das pátrias e as mediações devem ser incentivados
Eventualmente, podem ser abolidas quando o socialismo triunfar no mundo todo
Realidade política básica; exerce a autoridade em um determinado território
O multilateralismo, o internacionalismo respeitador das pátrias e as mediações devem ser incentivados
Realidade política básica; exerce a autoridade em um determinado território
Realidade política básica; exerce a autoridade em um determinado território
Católicos: o poder político deve submeter-se ao poder (espiritual, quando não material) da igreja e do papa
Realidade política básica; exerce a autoridade em um determinado território
Neoliberais: o Estado é um estorvo, um mal tristemente necessário
Evangélicos: o poder político deve submeter-se ao poder da igreja
Valor supremo
O internacionalismo e o multilateralismo são vistos como crimes de lesa-pátria e como conspirações dos “inimigos”
9) Humanidade
Resumo da Religião da Humanidade
Como sinônimo de igreja: associação de caráter intelectual, de âmbito mundial
Conjunto dos seres humanos convergentes, passados, futuros e presentes
Concepção resultante de uma longa evolução histórica
Concepção relativa, altruísta e includente
Outro nome dado ao conjunto do proletariado, após a revolução comunista e a extinção (física e social) da burguesia
Associação de indivíduos atomizados, sem a existência de pátrias nem de igrejas
Fora do âmbito do comunismo: ideologia burguesa e/ou concepção nefelibata
Outro nome dado ao conjunto do proletariado, às vezes se estendendo ao conjunto das sociedades (e das classes)
Outro nome dado ao conjunto do proletariado, às vezes se estendendo ao conjunto das sociedades (e das classes)
Designação genérica do conjunto de seres humanos e de países
Eventualmente apresenta caráter histórico
Designação genérica do conjunto de seres humanos e de países
Eventualmente apresenta caráter histórico
Designação genérica do conjunto de seres humanos e de países
Eventualmente apresenta caráter histórico
Neoliberais: conjunto de agentes econômicos
Evangélicos: conjunto de crentes e de pessoas a serem convertidas
Refere-se exclusivamente à população do próprio país
10)         Religião
Conjunto de concepções e práticas que visam a regular a vida humana, com vistas à harmonia social e individual
Como qualquer concepção humana, passa pelos três estágios (teológico, metafísico e positivo)
A Religião da Humanidade é uma religião positiva
Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
“A religião é o ópio do povo” (Marx)
Deve ser combatida
A prevalência de religiões em países é justificativa para guerras com esses países
Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
“A religião é o ópio do povo” (Marx)
Em princípio, deve-se respeitar as crenças individuais e, se for o caso, as institucionais
Pode resultar, devido a questões institucionais e dogmáticas, em conflitos entre o Estado e a(s) igreja(s)
Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
Deve-se respeitar as crenças individuais e, se for o caso, as institucionais
Acomodação com as igrejas
É importante apenas como fundamento do Welfare (e, portanto, submete-se a considerações utilitário-político-econômicas)
Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
Acomodação com as igrejas
Dependendo da relação com quem está no poder: apoio às igrejas e suas doutrinas

Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
“Britânicos”: acomodação com as igrejas; aceitação de religião de Estado
Católicos: igreja separada do mas superior ao Estado

Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
Acomodação com as igrejas
Estímulo à “teologia da prosperidade”
Evangélicos: valor sagrado e supremo

Sinônimo de teologia e, por derivação, de igreja
Transformação do culto à pátria em um rival institucional e dogmático às igrejas tradicionais
11)         Propriedade
A propriedade privada é um dos fundamentos da ordem social
Para surtir seus efeitos, a riqueza deve ser concentrada até o limite da responsabilidade individual
A função da riqueza é alimentar o conjunto da sociedade
Os proletários devem ser “pobres” (isto é, não ricos); devem ter casa própria e ser capazes de alimentar esposa, filhos e avós
Os proletários devem ser donos dos instrumentos individuais de trabalho
Assim, a propriedade privada não é um conceito absoluto
Deve ser consagrada para ser regulada
A origem da propriedade é social e sua destinação tem que ser social
A riqueza é entendida como força social concentrada (o trabalho é a força dispersa)
A solução dos problemas da riqueza consiste em sua regulação social, não em sua destruição e/ou extinção
A propriedade privada é vista como absoluta, com vistas à dominação e à exploração burguesa
Para combater a propriedade privada, o Estado comunista deve instituir a propriedade “coletiva” (estatal) dos “meios de produção”
A via para tal mudança é violenta, pela força, de cima para baixo
As famílias podem ter objetos de uso pessoal
A riqueza é vista como o fundamento das desigualdades humanas
A propriedade privada é vista como absoluta, com vistas à dominação e à exploração burguesa
Para combater a propriedade privada, o Estado comunista deve instituir a propriedade “coletiva” (estatal) dos “meios de produção”
A via para tal mudança é pacífica e eleitoral
As empresas privadas, todavia, continuam existindo
A riqueza é vista como o fundamento das desigualdades humanas
Os impostos são altos
A propriedade privada é vista como relativa e submetida à regulação estatal
Para combater a propriedade privada, o Estado comunista deve instituir a propriedade “coletiva” (estatal) dos “meios de produção”
Muitos serviços e bens são fabricados e providos pelo Estado
A via para tal mudança é pacífica e eleitoral
As empresas privadas, todavia, continuam existindo
A riqueza é vista como o fundamento das desigualdades humanas
Os impostos são altos
A propriedade privada é vista como absoluta
Todavia, dependendo de quem está no poder, pode-se considerar a propriedade como relativa (em particular a propriedade alheia)
O nível de impostos varia de acordo com o grupo que está no poder
“Britânicos”: a propriedade privada é vista como absoluta e constituinte da natureza íntima de cada indivíduo (juntamente com a liberdade)
Católicos: a propriedade privada é vista como relativa, dependendo da ordem eclesiástica e do papa reinante; os bens da igreja são sagrados
Os impostos são os mais baixos possíveis
A propriedade privada é vista como absoluta
Evangélicos: a riqueza é a prova da eleição divina, no neocalvinismo da “teologia da prosperidade”
Neoliberais: a riqueza é um valor fundamental e deve ser perseguida (“vícios privados, virtudes públicas”)
Ambigüidade a respeito da propriedade e da riqueza: em princípio são absolutas, mas o Estado pode interferir e regulá-las, além de ter empresas estatais
A riqueza “capitalista” (ou comunista) é opressora; a riqueza “nacionalista” é libertadora
12)         Governo temporal
Gestor dos conflitos de classe
Responsável pela manutenção da ordem social, com vistas à realização do progresso
Deve abster-se rigorosamente de ser um governo espiritual
Deve garantir as liberdades públicas, especialmente as de pensamento, expressão e associação
Deve ser consagrado para ser regulado
Nos países capitalistas: mantenedor da dominação burguesa e da exploração do proletariado
Responsável pela realização e pela manutenção da revolução comunista
Gestor da propriedade coletiva
Quando a revolução comunista ocorrer em nível mundial, os estados devem ser extintos
Órgão do proletariado como classe (contra a burguesia)
Impõe o ateísmo como doutrina de Estado
Gestor dos conflitos de classe
Gestor de determinadas produções de bens e serviços
Regulador das relações sociais
Regulado pelo Estado de Direito
Gestor dos conflitos de classe
Gestor de determinadas produções de bens e serviços
Regulador das relações sociais
Regulado pelo Estado de Direito
Gestor dos conflitos de classe
Regulador das relações sociais
Regulado pelo Estado de Direito
Gestor dos conflitos de classe
Regulador das relações sociais
Regulado pelo Estado de Direito
“Britânicos”: garantidor das liberdades e da propriedade; respeitador das tradições
Católicos: deve submeter-se moral e politicamente à igreja e ao papa
Neoliberais: provedor de bens e serviços mínimos (polícia, moeda, justiça, padrões de pesos e medidas; em casos de pobreza extrema: auxílio financeiro)
Evangélicos: órgão de promoção da crença de cada seita; promotor da censura e da polícia de costumes
Órgão por excelência da vontade nacional
Deve ser entendido como sendo, em si, uma instituição moral
O desrespeito ao Estado é um desrespeito à nação
A vontade do Estado está acima do comum dos indivíduos
13)         Governo espiritual
Responsável pela constituição e expressão da opinião pública
Organizado em igrejas, com sacerdócios
Regulador das idéias e dos valores
Responsável pela consagração e pela regulação das famílias, das pátrias, dos indivíduos, do poder político e da riqueza
Deve manter-se escrupulosamente separado do governo temporal
Sua importância em face do poder temporal dá a medida da moralidade, do altruísmo e do pacifismo de uma sociedade e, portanto, de seu progresso
Constituído em um sacerdócio transnacional
O primado político cabe ao poder Temporal, não ao Espiritual
Ambigüidade: por um lado, as crenças são derivações das relações de produção; por outro lado, são instrumentos de dominação (da burguesia) ou de afirmação (do proletariado)
Nos países capitalistas, as igrejas são os órgãos de manutenção da religião, que é o “ópio do povo” (ideologia da exploração e da dominação do proletariado)
Nos países comunistas, o governo espiritual confunde-se e realiza-se por meio do Estado e do partido comunista
Deve realizar-se por meio de professores e filósofos
As igrejas (teológicas) eventualmente podem ser obstáculos ao socialismo e, por isso, são combatidas politicamente
Pode apoiar o governo em termos políticos, sociais e morais
Com frequência baseia-se no poder Espiritual e/ou extrai dele seus quadros
Tem uma tradição de apoio, estímulo, submissão
Aceitam e promovem a religião de Estado
Católicos: o Estado deve submeter-se à igreja e ao papa; seu sacerdócio tem caráter transnacional
Neoliberais: não reconhecem poder Espiritual, na medida em que são rigorosamente materialistas; entretanto, é necessário haver valores de respeito, confiança mútua, individualismo
Evangélicos: o único poder Espiritual é o da própria seita; todos os demais devem ser combatidos e/ou convertidos; o Estado deve estar a serviço da seita
O único poder Espiritual aceitável é o originário do Estado e por ele legitimado
Fontes independentes de poder Espiritual são vistas com desconfiança e como (potenciais) inimigos
14)         Paz
Resultado e condição da harmonia social e individual
Resultado da evolução histórica das sociedades
Internamente: os conflitos sociais devem ser evitados, controlados, dirigidos e aproveitados
Externamente: os conflitos entre países devem ser solucionados sempre via mediação
Os governos temporal e espiritual devem empenhar-se ativamente em manter e em obter a paz
O poder Espiritual deve ser o grande regulador e mediador dos conflitos sociais
A verdadeira paz só é possível quando o comunismo triunfar em nível mundial
Entre os países capitalistas, é sempre um equilíbrio temporário entre as potências imperialistas
Os países capitalistas querem sempre destruir os países comunistas
Fora do comunismo, todos os indivíduos e países são egoístas; apenas no comunismo existe um verdadeiro altruísmo
O multilateralismo e o internacionalismo são estratégias a serem empregadas se e enquanto forem úteis
A paz internacional é um objetivo verdadeiro, a ser atingido por meio do multilateralismo e do internacionalimso
A paz internacional é um objetivo verdadeiro, a ser atingido por meio do multilateralismo e do internacionalimso
Utiliza o equilíbrio de poder para obter a paz
“Britânicos”: utilizam o equilíbrio de poder para obter a paz; a paz é sempre instável, portanto
Católicos: a verdadeira paz é a instituída e regulada pela igreja e pelo papa
Neoliberais: a paz é uma conseqüência natural da diminuição radical do Estado e da substituição da política pela economia
Evangélicos: a única paz possível é a criada pela própria seita; em relação a todos os demais a postura é de confronto ou, pelo menos, reprovação e rejeição
A paz é sempre a morte do “espírito”; a nação revela-se e afirma-se por meio da guerra
O equilíbrio de poder é aceito apenas temporariamente; a única paz aceitável é a que subordina todas as demais nações à nação do político
O multilateralismo e o internacionalismo são recusados e vistos como defendidos por traidores e conspiradores
15)         Igualdade
Basicamente, um mito metafísico destinado a abolir estruturas sociais
Utilizada por juristas e propagandistas para obter o poder
Conceito que legitima os despotismos
O desenvolvimento social gera diferenças e desigualdades
Mas: do ponto de vista jurídico, deve ocorrer a igualdade perante a lei
Nas escolas, as classes sociais devem assistir em conjunto às aulas para terem a mesma formação e compartilharem valores e ideias (permitindo assim a fraternidade e a atuação do poder Espiritual)
É o objetivo maior do comunismo
Entendida em todos os sentidos possíveis: de classe, de status, de riqueza, de sucesso individual
Na busca da igualdade não se hesita em cometer crimes (expurgos, “revoluções culturais” etc.)
A despeito do discurso, estabelece uma distinção brutal entre governantes e governados
É o objetivo maior do socialismo
Entendida basicamente como igualdade de riqueza e de status, aceita a todavia a igualdade de condições
Igualdade perante a lei
Igualdade na escola
É o objetivo maior do Welfare
Entendida basicamente como igualdade de riqueza e de status, aceita a todavia a igualdade de condições
Igualdade perante a lei
Igualdade na escola
Eventualmente pode aceitar “ações afirmativas”
É indiferente às noções econômicas de igualdade; depende do grupo que está no poder
Igualdade perante a lei
“Britânicos”: não se incomodam com as diferenças de status, mas exigem a igualdade perante a lei
Católicos: em sua teologia, todos são iguais perante a divindade, mas na prática aceita as mais variadas desigualdades (poder, status, riqueza)
Neoliberais: rejeitam a igualdade econômica e exigem a igualdade perante a lei
Evangélicos: aceitam a igualdade nas próprias seitas e, reconhecendo a diferença em relação a todos os demais, desprezam-nos
Reconhecem as diferenças inarredáveis entre povos e nações
Na nação, todos são iguais; fora da nação, todos são diferentes e inferiores
16)         Indivíduos e individualidades
O individualismo é um erro intelectual, moralmente injustificável
O individualismo é a secularização e a transposição para a Sociologia da igualdade dos crentes perante a divindade protestante
O individualismo consagra o egoísmo, a secura afetiva, a esterilidade intelectual, o absolutismo filosófico, as concepções parciais
Mas: a Humanidade é um ser composto, cujos elementos são seres separados – em última instância, os indivíduos
Assim, da mesma forma que as famílias, as pátrias, o poder político e a riqueza, devem os indivíduos ser consagrados e regulados, ou seja, responsabilizados
Os indivíduos são os agentes da Humanidade e realizam o presente
As crenças individuais devem sempre ser respeitadas
Os indivíduos não existem, exceto os grandes líderes comunistas
Os indivíduos são uma elaboração ideológica burguesa
No comunismo, quem afirma-se como individualidade comete o crime de lesa-revolução
No comunismo ideal, na ausência de classes e de Estado, haverá apenas indivíduos; eles serão alegres diletantes de tudo e não haverá obrigações nem responsabilidades
A perspectiva social deve prevalecer, mas os indivíduos são largamente respeitados
A perspectiva social deve prevalecer, mas os indivíduos são respeitados
A lógica própria ao Welfare tende a desconsiderar as motivações individuais e a tirar a responsabilidade individual por suas ações
Basicamente o centro constitui-se de indivíduos e individualidades renomados
“Britânicos”: os indivíduos são o valor político por excelência; não há sociedade, embora a tradição confira um caráter social aos indivíduos
Católicos: na medida em que são católicos, os indivíduos são respeitados; suas diferenças são acomodadas nas diversas vocações e ordens eclesiásticas
Estimulam o individualismo e egoísmo (sejam hedonistas ou não)
Não há “sociedade”, apenas agregados de indivíduos
Neoliberais: juntamente com as empresas, os indivíduos são as únicas unidades existentes
Evangélicos: perante a divindade há apenas indivíduos e ambos comunicam-se direta e pessoalmente
Ambigüidade: perante a nação, os indivíduos não existem, exceto os grandes líderes; mas retoricamente há o respeito às individualidades

Referências bibliográficas sumárias

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